Novos arranjos familiares estão transformando as tradicionais comemorações nos colégios, como festa de Dia das Mães. As mudanças, é claro, provocam reflexões.

Alguns colégios estão tomando a iniciativa de substituir o Dia das Mães ou o Dia dos Pais pelo Dia da Família. Afinal, muitas crianças não estão inseridas no modelo tradicional de pai, mãe e filhos. Sem contar uma preocupação mais recorrente: a de não entristecer crianças órfãs ou abandonadas – o que sempre existiu.

Nesse ajuste aos tempos, as escolas vão tateando caminhos. Boa parte delas inclui o Dia da Família, mas não deixa de celebrar Dia das Mães e Dia dos Pais. 

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Tanto na rede pública de ensino quanto na privada, é assegurada a autonomia das escolas para definir o calendário dessas celebrações.

— A gente sempre trabalha com a questão da diversidade familiar, mas cada escola pensa nessas festividades de acordo com o perfil do aluno que atende, até para que as pessoas participem dessa programação. Tem de ser um momento bom para todos — diz Raquel Padilha, diretora pedagógica adjunta da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) do Rio Grande do Sul, ouvida pelo jornal Zero Hora.

Muitas escolas têm optado em promover o Dia da Família, uma festa mais universal. 

Mas isso não quer dizer que estejam desmerecendo o papel de pais e mães. 

— As escolas precisam rever seu papel social e refletir sobre o impacto que a mera reprodução de discursos sociais, aparentemente inocentes, pode causar na formação das crianças. "Quem queremos formar?" deveria ser uma pergunta norteadora fundamental para a elaboração dos currículos. Dia das Mães, assim como outras datas familiares, deve ter como foco o questionamento de qual família estamos falando — avalia Paula Saretta, psicóloga e doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Rita Lisauskas, do jornal O Estado de São Paulo, publicou uma coluna fazendo um apelo pungente pelo fim das festas de Dia das Mães nas escolas. Leia um trecho abaixo. A íntegra está aqui:

"Acabem com o tormento das festas de dia das mães da escola

Eu sei que muitas mães gostam dessa festinha, porque se lembram das celebrações de dia das mães da própria infância. As crianças ensaiavam músicas e grandes apresentações e, nessas cerimônias, entregavam os presentes às mães, que iam sempre às lágrimas. 

A sua adorava a homenagem e você ficava super orgulhosa em “desfilar” com ela por aí.

Mas eu preciso te contar uma coisa: enquanto eu, você e nossas mães nos sentíamos radiantes durante essa comemoração, muitas outras crianças se sentiam miseráveis. 

Eu não me esqueço como uma amiguinha, a Daniela, ficava sempre tensa quando chegava esse dia. A mãe dela quase nunca conseguia comparecer a essas celebrações. Era “desquitada”, como se dizia naquela época, ex-marido não queria saber da família e, por isso, trabalhava dobrado para sustentar os filhos. No dia da tal festa, o chefe não queria nem saber de liberá-la por algumas horinhas. (...)

Confesso que quando meu filho entrou na escolinha estranhei que, com a chegada do mês de maio, não tivesse nenhuma convocação para a festinha do dia das mães. Na sexta-feira anterior à data até recebi um presentinho na mochila – acho que algum desenho de uma mão gorducha que se imprimiu à folha de sulfite depois de mergulhada na tinta, uma coisa muito fofa. Mas festa? Nenhuma. 

Perguntei a razão à professora e ela me lembrou o óbvio. Nem todos os alunos têm mães, nem todos os alunos têm pais, outros têm duas mães, nenhum pai, ou dois pais, nenhuma mãe. Lembrou-me que há crianças que são cuidadas pelos avós, pelos tios, pelos padrinhos. Eu olhava ao meu redor e via que todas as crianças da classe do meu filho tinham mães e pais, mas a vida não era assim, estávamos numa bolha que, a qualquer momento, podia estourar.

E estourou, claro, a bolha sempre estoura.

Anos depois, essa mesma professora querida do meu filho morreu em um acidente de carro. A filha dela sobreviveu. Estuda na escola onde a mãe lecionava, lida com as lembranças doloridas de quem só perdeu pai e mãe na infância sabe quais são mas, ainda bem, não tem que lidar com o tormento da festa do dia das mães. 

(...) Além das mães (e dos pais) que morreram, têm que os que sumiram, os que são negligentes, os violentos. Seria justo fazer uma criança passar semanas e mais semanas na expectativa de comemorar algo que, para ela, não merece ser comemorado só para que eu, mãe da “bolha” possa ter alguns minutos de felicidade? Não, né?

Por isso muitas escolas acabaram com as tais festas do dia das mães e dos pais e instituíram o dia da família, comemorado em uma data aleatória. Nessa festa, o foco é celebrar quem cuida, acolhe e educa essa criança (...).

Se eu fico triste por não ter festinha de dia das mães na escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta, sei lidar com  as minhas frustrações."