Uma menina que tem duas mães. Um menino que se apaixona por uma menina disfarçada de garoto. Questões de gênero como essas estão virando polêmica nas escolas. Preocupados com temas como esses em livros infantis, pais têm solicitado a retirada dessas obras do currículo escolar e deixado um alerta: quais os limites da interferência das famílias em sala de aula? Você já refletiu sobre isso?

Pois eu fiquei muito impressionada com essa polêmica, que foi tema de matéria publicada no jornal O Globo e vejo certos exageros por parte de alguns pais. Um dos casos ocorreu no Colégio Marista de Brasília. O livro “A família de Sara” foi vetado no segundo semestre de 2015, após críticas de um pai. A história conta as agruras de Sara, filha adotiva de uma mãe que não era casada, por não ter quem levar às festividades da escola no Dia dos Pais. Em determinado trecho, a mãe tenta consolar a menina: “É possível ter duas mães ou dois pais, ou ter mãe e padrasto e pai e madrasta, e gostar igualmente de todos. O importante, Sara, não é como sua família é, mas como ela te trata”. Para Flaviane Leite, mãe de Rafael, à época aluno do terceiro ano do Ensino Fundamental do Marista, a retirada do livro foi uma interferência indevida dos pais na escola.

— Eu li o livro com meu filho. No fim, de maneira bem leve, ele citava que era possível ter outras formas de família. Nada demais. A própria autora do livro contou a história dela: a família era ela e a filha adotada, que era negra — afirma Flaviane.

Em um mundo que demanda cada vez mais tolerância em relação às questões de gênero, abrindo um novo olhar sobre formas diferentes de amar e de se relacionar, estabelecendo mais empatia ao que chamamos de "novas famílias", seria de se comemorar que pudéssemos conversar com os pequenos sobre essas realidades tendo a literatura como ferramenta lúdica - e a escola também.

Especialistas há muito reconhecem o importante papel dos contos infantis na elaboração de emoções que muitas vezes podem ser consideradas pesadas para os pequenos: uma separação, a perda de alguém querido, a pobreza... Por meio de tramas muitas vezes tristes, as crianças conseguem lidar com emoções difíceis, tendo a fantasia como apoio. E mais: conseguem criar empatia, compaixão, entender o outro e expandir seus horizontes como cidadão. É só lembrar da menina orfã maltratada pelas irmãs e pela madrasta, do lobo mau que aterroriza uma garotinha em visita à sua avó, do casal de irmãos abandonados no meio da floresta pelos pais que não tinham como sustentá-los... Enfim: uma menina com duas mães é "fichinha" perto de histórias que estamos pra lá de acostumados a contar aos nossos filhos, não é?

Portanto, celebro aqui a importância da escola - e da cultura como um todo - na construção de novos olhares sobre o mundo. Que os educadores possam conquistar o direito de tratar desses temas em sala de aula sem tantos tabus. E que os pais possam estar mais abertos e confiantes de que, para os pequenos, temas assim não são o bicho-papão que são para muito adultos. O futuro agradece!