Sabe aquela sensação de descompasso entre ser uma profissional bem-sucedida e mãe de um, dois ou três bebês? Pois se você reconhece esse sentimento, saiba que não está só. Todos os dias, alguma mãe posta nas redes sociais um desabafo sobre o assunto. Apesar das várias conquistas das mulheres no mercado de trabalho, encarar a maternidade continua sendo um desafio e tanto por faltas de leis que deem suporte aos cuidados das crianças. Você também se sente assim?

Mãe de três meninas, a Carolina Darcie escreveu sobre essa sensação em um texto no site Medium que muito me tocou. No post, ela reflete sobre a maneira como foi criada, para ser independente, trabalhar fora, não ser como as mães, que eram donas de casa. No entanto, qual a surpresa dela ao perceber que as grandes questões sobre os cuidados com os filhos ainda convergem quase que exclusivamente às mulheres?


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"Nossos sonhos, então, pouco envolviam filhos. Estávamos estudando e planejando carreiras, viagens ao exterior, aprendizado de idiomas. Crianças pareciam uma ideia estranha e distante, talvez aos 40 anos, quem sabe? Talvez nunca. A maternidade parou de ser um ideal a ser alcançado por minha geração. Até mesmo o casamento, mudou. Sonhávamos com um parceiro forte, emocionalmente bem resolvido, com o qual pudéssemos dividir experiências, não dependências. Era o que eu, ingenuamente, acreditava", diz Carolina.

O que ela disse que não sabia? Como conciliar um desejo de ser mãe com isso tudo que havia construído até então:

"Ou seja, somos mulheres que crescemos querendo trabalhar, ter uma casa, ter nosso próprio dinheiro, mas não fomos preparadas para a maternidade e seus percalços, tanto emocionais quanto econômico-sociais. E olha, engravidar pode ser algo bem simples. Eu acreditava que só tinha filhos quem quisesse. Hoje sei que a questão é muito mais profunda (eu mesma, tive duas gravidezes acidentais, e outras duas planejadas, mesmo com toda a informação disponível). É bastante claro para mim, agora que sou mãe de três filhas pequenas (sim, as contas batem, é que perdi uma gestação), o quanto a maternidade é incompatível com essa ordem social do trabalho e as ilusões de independência e carreira sob as quais fomos criadas". 

Ela continua:

"Acontece que o mundo do trabalho é bastante deslocado e ignorante da realidade da vida doméstica. Crianças não podem ser separadas de suas mães aos quatro meses, como preconiza nossa ridícula licença-maternidade. Nem aos seis meses, convenhamos. Após esse período, simplesmente não há vagas em creches públicas. Ou, se existem, são locais superlotados (...) O resultado dessa incompatibilidade é o que mostram pesquisas recentes: 50% das mulheres que trabalham em iniciativa privada são demitidas em até dois anos após o nascimento do primeiro filho. Nosso trabalho é mais precário, ganhamos menos, temos acesso a menos projetos importantes, nossas faltas são mal-vistas, cargos nos são preteridos. Não só pela maternidade, mas também pela condição de mulher. A maternidade só agrava o quadro".

Eu, Carolina e aposto que você também ainda não sabemos como resolver esse descompasso. Estamos "engolfadas" ainda em dar conta de todas essas demandas que pouco conseguimos refletir e conversar sobre essas questões muito importantes. Mas desabafos como o da Carolina são um bálsamo e um estímulo a encontrar novos caminhos, menos penosos para as mulheres. Como bem diz Carolina, a romantização da maternidade disfarça nossos conflitos. 

"Minha geração ainda não sabe se tem filhos ou se os evita. A verdade, é que os tivemos. Eles estão aqui, espalhando peças de lego pela sala e ficando doentes, brincando e existindo apesar das nossas preocupações. Sou mais humana, desde que as tive. O trabalho ainda é muito importante na minha vida, mas divide seu papel central com a existência colorida de três meninas. Talvez elas tenham me salvado, vou saber daqui uns anos. Volto pra contar".

Lindo depoimento, Carolina!