O texto O Pai, de autoria de Tiago Prudente, está rodando a Internet nos últimos dias. 

Nele, o engenheiro conta sobre a experiência de virar dono de casae ser o principal cuidador do pequeno Rauê - enquanto a mãe, Veruska, trabalhava fora e era a única fonte de renda da família. 

“O texto surgiu como uma ideia de desabafo para o meu círculo de pessoas frente o preconceito velado que senti com nossa decisão (hoje eu entendo que, na real, o preconceito estava mais era dentro da gente, mesmo). Depois, acabou sendo compartilhado e tomou essa proporção enorme que eu jamais esperaria”, conta. 

Não perca a entrevista cheia de conselhos sobre paternidade e companheirismo que Tiago concedeu por e-mail a Primi Stili:

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Primi Stili - No texto, você fala sobre machismo envolvendo a ideia de você virar dono de casa e ser o responsável pelo bebê, enquanto sua mulher trabalha fora. Esse estranhamento é comum na sociedade, mas a vivência acaba com essas verdades sociais em muitos casos. Isso aconteceu com vocês? 

Tiago Prudente - Eu escrevi esse texto há um ano, quando iniciamos essa mudança aqui em casa (que se mantém até hoje). Isso aconteceu mais ou menos na mesma época em que os quadrinhos da Emma* viralizaram. Somente após iniciar essa experiência de ficar integralmente em casa que comecei a perceber a tal da carga mental que as mulheres tanto falam. Os quadrinhos desenharam (literalmente) pra mim aquilo que eu estava começando a entender, e por isso me atingiram em cheio.
 
Aqui em casa nunca rolou essa história do papel do homem e da mulher ditados por essas verdades sociais. Meus pais sempre foram exemplos pra mim nisso. Sempre tivemos a consciência de que tanto as tarefas domésticas quanto as relacionadas ao nosso filho eram obrigações iguais dos dois. O machismo que descobrimos em nós foi num nível bem mais sutil e enraizado

Foi quando ela se deparou com uma culpa enorme por escolher se dedicar à carreira, e eu senti vergonha de não poder ser o único provedor. Culpa e vergonha: dois sentimentos completamente infundados, que não nos ajudam em nada, mas que permeiam o coletivo devido à forma opressora que o machismo trata principalmente as mulheres, mas também os homens. Então, com relação à inversão de papéis, nós lidamos com bastante naturalidade desde o início. Mas se eu falar que esses dois sentimentos já estão bem resolvidos em nós depois desse um ano eu estaria mentindo. A desconstrução é gradual. 

Eu jamais repetiria o erro de me considerar livre do machismo. Essa experiência foi muito mais uma constatação de que antes eu era machista e não sabia. Agora eu sei que sou e estou pronto pra olhar pra isso.
 
*Tiago refere-se à série da quadrinista francesa Emma, que expõe a realidade de mulheres que assumem total responsabilidade pelos lares. Ela fala muito sobre a carga mental que vem com essa responsabilidade.

PS - Pelo que você escreveu, a experiência de cuidar da casa e do bebê em tempo integral fez você refletir sobre as mães, que muitas vezes ainda conciliam tudo isso com o trabalho fora de casa e companheiros que não colaboram. Você acredita que isso já teve ou terá influência no seu comportamento?

Tiago - Muita gente interpretou o texto como um “passei a dividir tarefas”. Mas na verdade ele não era bem sobre isso. Isso já rola aqui desde que juntamos as escovas de dente (se você é homem e ainda não divide tarefas, volte duas casas). O texto era sobre perceber que não havia divisão igual da carga mental da gestão das tarefas. São coisas um pouco diferentes e essa gestão toma MUITO tempo! Isso, sim, eu só percebi depois que fiquei em casa.

Dividir as tarefas é abrir a geladeira e fazer a comida do filho. Dividir a carga mental da gestão é saber que tem que ir no mercadinho da esquina, porque hoje é o dia que chega o feijão verde, e os grãos que temos não vão durar pro rango dele até a feira de domingo.

Dividir as tarefas é dar o banho nele, olhar o tempo lá fora e vestir ele com uma roupa adequada. Dividir a carga mental é saber que "winter is coming" (em alusão à série Game of Thrones), e, no ritmo que ele está crescendo, as blusas de manga que servem nele não serão suficientes até lá.

O texto também não era sobre passar a exercer paternidade ativa e as obrigações de pai (se você é pai e não sabe quais são suas obrigações, volte dez casas!). O texto foi mais um reconhecimento de que, mesmo que você dedique 100% do tempo livre ao seu filho, isso não chega nem na raspa da carga que é estar com ele integralmente (e boa parte sozinho), emendando um dia no outro, uma semana na outra, um mês no outro! Essas lições vão ser bem difíceis de esquecer mesmo depois que eu deixar de ser o principal cuidador dele.

PS - Qual foi a situação mais difícil que você teve com o pequeno até agora? Teve algum momento de "putz! agora eu acho que não vou dar conta"?

Tiago - Eu acho que não passei por nenhum evento isolado que me deu essa sensação. O que aconteceu comigo foi mais um esgotamento psicológico e emocional gradual, mas acho que natural. É um estado de doação que você entra e começa a olhar pra sua rotina e não vê onde entra “você” ali. 

Foi um estado de anulação que eu não estava preparado (se é que alguém está!). 

Eu realmente não consigo imaginar como existem mães solo que conseguem criar seus filhos sem uma rede de apoio como a que criamos ao longo do tempo.

PS - A dica de ouro para o pai que vai começar nessa empreitada sem saber nem por onde começar, qual é?

Tiago - Muitos pais são carinhosos com os filhos, mas quando a fralda explode, ou começa o choro da fome, passam a bola para a mãe. Esses pais estão aproveitando 50% da experiência. Olhar para seu filho e saber que ele está com sono, com fome, com algum outro desconforto, conseguir atender à necessidade dele também é incrível. Receber uma fórmula pronta da mãe de como agir nas situações também é um atalho que te limita - e diminui a variedade de referências que a criança terá, porque você será apenas um "ajudante" da mãe. 

Minha dica é: siga seu instinto. Não se culpe por achar que não é capaz de assumir os cuidados de uma criança. Você provavelmente cresceu acreditando nisso. Não julgue sua companheira caso ela questione sua capacidade. Ela provavelmente também cresceu acreditando nisso. É preciso sair da zona de conforto que o papel de ajudante te legitima. E às vezes é necessário impor (com amor), talvez até pra própria mãe, o seu papel de pai.

Tiago ainda fez questão de contar o que ele acredita que ficará de legado para o seu filho, Rauê, dessa experiência:

“Eu quero acreditar que estou fazendo tudo à altura do que Veruska faria. Mas mesmo que não, pelo menos nós vamos estar ensinando a ele a capacidade de entender que não é só porque algo é o senso comum que é a única forma correta. 

Em tempos de intolerância, isso já é muito! Ele provavelmente ainda vai crescer numa geração em que na casa dos amigos vai ser muito mais comum estar com a mãe. Ele vai poder olhar e pensar: ‘Ok, isso é o comum. Mas lá em casa é o papai que fica. E tá tudo bem também’. 

Provavelmente, se no futuro ele precisar tomar uma decisão parecida com a minha, ele o fará com muito menos conflitos internos para resolver do que eu. Da mesma forma, se uma futura filha nossa precisar se dedicar à carreira, ela já o fará com muito menos culpa que Veruska.”