Charlize Theron com dois filhos e uma terceira gravidez bem no finalzinho encontra uma babá noturna para poder dormir sossegada. Mais um filme para mostrar o mundo da maternidade no cinema, certo? Errado. 

Tully tem um roteiro bem escrito, papeis bem atuados e é permeado por um olhar sobre a maternidade um pouco mais cru e real do que normalmente se vê no cinema, mas não é só sobre isso.

Ela perde a paciência, grita com os filhos, dá à luz, derruba o celular em cima do bebê enquanto troca a fralda, acorda de madrugada, derruba o leite que acabou de bombear, passa pomada no bico do seio dolorido da amamentação. Tudo isso está lá. 

Mas, muito antes de ser um filme sobre uma mãe, seus filhos e seu marido - que joga videogame enquanto tudo acontece -, Tully é um filme sobre puerpério e saúde mental.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades

Marlo, papel interpretado por Charlize, está esgotada. Um filho hiperativo, com necessidades especiais que ninguém sabe dizer ao certo quais são, um marido que não divide as responsabilidades nem ajuda, uma filha mais velha na fase de começar a duvidar de si mesma e um bebê quase chegando. Tudo com ela. Até que o irmão de Marlo, Craig, interpretado por Mark Duplass, oferece ajuda: uma babá noturna assim que o novo integrante da família nascer. Uma maravilha. 

Ela chega à noite e vai embora pela manhã. Acorda a mãe só na hora de amamentar e pronto. Descanso.

Marlo resiste no início. Terceirizar o cuidado com os filhos é demais para ela. Mas Mia nasce, as noites sem dormir vão se empilhando e a ideia começa a ganhar ares de salvação. Surge Tully, uma menina de vinte e poucos anos cheia de vida, carinho, compreensão e cuidado pra dar. Ela toma conta do bebê e da própria Marlo. As duas aproximam-se muito e só o final o filme entrega qual é a verdadeira relação entre elas.

Tully, na verdade, é uma projeção que Marlo faz de si mesma mais jovem. Uma psiquiatra é categórica ao dizer que Marlo apresenta um quadro de privação de sono severa, o que justificaria as alucinações. 

A guinada do fim do filme mostra que Marlo estava, na verdade, sozinha nas cenas em que havia aparecido na companhia de Tully. À primeira vista, a proposta fica com cara de roteiro mal amarrado e fim de filme clichê. Mas pode não ser bem isso.

Marlo está exausta no pós-parto e só consegue enxergar os fracassos da vida que leva hoje, enquanto Tully tem uma visão positiva de tudo. É como se Tully olhasse para o seu futuro e pensasse “eu consegui: tenho uma família linda, filhos queridos para quem consigo dar estabilidade e um marido que amo”. Enquanto Marlo enxerga estresse, tédio, falta de propósito e descontrole. 

Por isso o filme não é só mais um drama sobre a exaustão de trocar fraldas. Tully é um filme sobre uma fase da maternidade ainda muito romanceada. A história vai contra a ideia de que um novo bebê significa uma vida de amor pleno e conto de fadas. 

Um bom filme, com um tema pertinente e com um convite ao diálogo sobre uma das partes mais difíceis da vida de uma nova mãe.