O consultor financeiro e escritor Gustavo Cerbasi escreveu em sua coluna na revista Época que, se uma mãe que trabalha cuidando da casa e dos filhos recebesse um salário, esse pagamento seria em torno de R$ 12 mil mensais. À primeira vista, qual a sensação que surge? Ufa! Que bom que alguém consegue enxergar o valor desse trabalho. Porém, refletindo bem, o texto de Cerbasi reforça alguns estereótipos de gênero que precisamos, mais do que nunca, combater. Não é à toa que a coluna repercutiu nas redes sociais. E faço questão de compartilhar essa polêmica - e as muitas vozes femininas - aqui.

Como mãe e executiva de uma empresa grande, sei bem como é se dividir em duas funções importantes e que muito me realizam. No entanto, sou uma privilegiada nesse aspecto, porque posso fazer escolhas, enquanto muitas mulheres não têm a mesma sorte. Afinal, como majoritariamente os cuidados com os filhos recaem sobre a figura materna, é muito comum encontrarmos mulheres em casa não por opção e sim por necessidade, já que o mercado de trabalho as trata de forma desigual. Além disso, Cerbasi coloca a mulher como ponto central do cuidado da casa, destituindo do homem qualquer função nesse sentido.

"A presença da mulher em casa significa maior capacidade de gerenciar e cuidar da família", diz o colunista, gerando uma enxurrada de críticas.

Para Camila Conti, fundadora da Maternativa, plataforma que fomenta e discute o empreendedorismo materno, o autor do texto reforça diversos estereótipos de gênero que aprisionam as mulheres.

"Ao afirmar que uma mãe em casa 'vale' de R$ 10 a R$ 12 mil mensais associando sua presença aos 'custos' dos serviços domésticos, o autor do texto reforça diversos estereótipos de gênero que aprisionam as mulheres há séculos e dissocia, mais uma vez, a responsabilidade masculina no que diz respeito aos cuidados com a casa e com os filhos. Também é preocupante sua afirmação de que as mulheres ganham menos - não por um problema sistêmico - e sim, porque a gravidez é um 'risco' associado ao gênero que dá ao empregador o direito de pagar menos, como se os homens também não tivessem filhos", rebate Camila.

De fato, ao afirmar que as mulheres valem mais em casa do que no mercado de trabalho e ao citar que isso é um "resgate da tradição", Cerbasi acende um alerta vermelho: quão longo ainda é o caminho que precisamos percorrer na luta por igualdade entre gêneros em todas as esferas da sociedade? Já nos perguntamos por que a maioria das mulheres mães estão em casa e não trabalhando, obtendo renda própria e garantindo independência e aposentadoria futura para si? Por que muitas mulheres são demitidas logo após o fim da licença-maternidade? E mais - e esse é o ponto: por que somente as mães precisam responder com quem os filhos ficam em casa nas entrevistas de emprego? Hora de repensar tudo - e com razão -, não é?