O empoderamento infantil e a representatividade são indissociáveis. Para se amar, sonhar, imaginar e até mesmo desejar, é preciso antes visualizar. É muito difícil sonhar com o que nunca se viu ou nunca se ouviu falar...

Cresci nos anos 80 e lembro que naquela época praticamente não havia representatividade preta nos desenhos animados, por exemplo. O único personagem preto que eu conhecia era um menino indiano chamado Hadji, do Jonny Quest, que tinha um papel secundário na história.

De todos os desenhos a que assistia, eu só conseguia me enxergar no Panthro, do Thundercats. O engraçado é que todos os personagens, mesmo sendo felinos, tinham no rosto uma cor aproximada à da pele branca. O Panthro era cinza, diferente de todos outros, e, por isso mesmo, eu me enxergava nele. Olhando pra trás e pensando nisso, vejo como a representatividade é algo importante para as crianças. Na falta de um personagem preto heroico, humano, importante e protagonista eu preferia me ver num felino.

Humberto Baltar, ao lado da esposa Thainá e do filho Apolo

Mais tarde, surgiu entre os Power Rangers um personagem que tinha uniforme preto. Lá fui eu morrendo de amores por ele. O simples fato de ter algo preto nele era o suficiente pra eu me espelhar e me ver em tudo o que ele fazia. Curiosamente, o ator que o representava era asiático. Além de não ser preto, tinha o cabelo liso. O Panthro, sendo um felino, também não tinha cabelo. Esse é outro traço forte em que a falta de representatividade marca as crianças pretas: na relação com o cabelo.

Lembro que na minha infância era comum pedirem que os responsáveis cortassem bem curtinho o cabelo crespo dos meninos pretos, alegando que podia dar piolho. Durante toda a minha vida escolar, só vi meninos pretos com o cabelo raspado. Já o cabelo das pretinhas, era sempre preso, variando apenas o formato. Uns eram colocados para o alto, outros em estilo rabo de cavalo e outros tipo Maria Chiquinha. Nunca soltos, a menos que estivessem alisados, é claro.

De lá para cá, muita coisa mudou. As crianças pretas de hoje têm apoio de sobra para admirarem seus cabelos. São diversos desenhos animados, filmes, seriados, novelas, livros e revistas onde se vê todo tipo de corte e penteados. Graças a isso, as crianças ousam experimentar as tranças, o nagô, o black power, afro puff...

Essa representatividade que tem crescido tanto contribui diretamente para o empoderamento infantil. Quanto mais se aceita, se admira e, em consequência, se ama, mais as crianças arriscam sonhar mais alto, aspiram por posições que antes seriam inimagináveis. Essa reflexão é importantíssima e precisa ser feita por toda a sociedade, especialmente por pais, mães e educadores. Não só pelos pretos. Afinal de contas, se acreditamos na luta antirracista, precisamos abraçar essa causa. Dessa forma, toda criança preta se sentirá linda, seja como for.

Humberto Baltar é educador, pai de Apolo e criador do perfil @paispretos


Leia mais
Pai cria canal no Youtube para conversar sobre a experiência de criar crianças negras

Exemplo é tudo! Entenda o que você pode fazer para criar crianças antirracistas desde cedo

O "novo normal" é estudar para entender essa geração que está vindo aí